Onde estou?
Ainda que o Código Civil preveja prazos de prescrição de obrigações (três anos para aluguel, cinco para condomínio, por exemplo), nada impede que uma dívida prescrita seja cobrada. Assim, é recomendável ter um arquivo e guardar os seus papéis. Para "sempre"
Para esta dúvida recorrente, existem duas respostas: uma é legal, e a outra, prática – algo que só se aprende com a vivência.
A legal: você deverá guardar os papéis enquanto a obrigação que eles provarem não estiver prescrita. Prescrição, em termos legais, significa a extinção da possibilidade de reclamar a violação de algum direito. Por exemplo: você tem um restaurante, alguém almoça e não paga. Você terá um ano para cobrar, e depois, se extinguirá esse direito.
Os prazos de prescrição estão descritos no código civil (artigo 206) e vale a pena realçar dois deles: para cobrar aluguéis, o prazo é de três anos; para cobrar rateios de condomínio, o prazo é de cinco anos (segundo recente decisão do Superior Tribunal de Justiça).
Esgotado o prazo, quando você já não precisar provar que pagou, poderá jogar fora os documentos.
Vale a pena lembrar também dos documentos que não provam pagamento, mas provam o cumprimento de alguma determinação legal: diplomas (não é raro que pessoas formadas em universidades precisem apresentar o diploma da escola primária, imprescindível para a matrícula na universidade, por exemplo); certificado de reservista; formais de partilha (embora estes sejam registrados) etc.
Documentos como o comprovante de pagamento de IPTU, IPVA e a declaração doImposto de Renda devem ser mantidos por cinco anos, contados a partir do primeiro dia útil do ano seguinte ao pagamento. Assim,a declaração de IR de 2011deve ser mantida até janeiro de 2017.Mas, por favor, preste atenção no enfoque cauteloso que vai adiante.
Na “prática”, digamos que alguém cobre uma dívida prescrita (o cobrador vagaroso pode ser um particular ou até a Fazenda Pública -sim, isso acontece mais do que as pessoas imaginam). Obviamente, você alegará que o direito prescreveu.
Porém, nada impedirá que ocorram discussões jurídicas (que sempre existem e são tecnicamente válidas), acerca do exato prazo prescricional naquela hipótese. Então, será recomendável que você, além de alegar a prescrição do direito, consiga de qualquer maneira provar que pagou, sendo essencial exibir a documentação, é lógico. Portanto, tomara que você não tenha se desfeito dos comprovantes...
Ou então, digamos que algum órgão público exija algum documento precedente (e já analisado oficialmente) àquele que foi exibido. Como fazer, se aquele documento antigo e superado tiver sido descartado?
Não é somente para demonstrar em juízo que se deve guardar documentos antigos. Perante a Administração Pública, que nem sempre prima pela eficiência, às vezes é preciso documentar algo que ela mesma deveria ter em seus arquivos.
Para ilustrar, são comuns situações em que, para requerer determinado alvará, o cidadão deve juntar cópia de uma planta que a própria prefeitura aprovou e arquivou anos antes.
São situações burocráticas no mais terrível sentido do termo, calvários que partem, no mais das vezes, de uma exigência descabida ou de um carimbo mal aplicado.
Tais situações já chegaram à literatura. Em “O tenente Quetange”, do autor russo Iúri Tyniánov, o erro de um escrivão, que no meio de uma frase em referência a um militar juntou “que” com “tange”, provocou as peripécias burocráticas do tenente “Quetange”. Publicado em 1928, o livro é uma crítica à barafunda administrativa que afligia a Rússia na época, tão subdesenvolvida.
Pois bem, essas situações somente se resolvem com perseverança e provas redundantes, ou seja, como não bastasse estar prescrita a eventual exigência, ela de fato já fora cumprida. E esta prova se faz apresentando aqueles papéis velhos.Uma dica: organize um arquivo.
Jaques Bushatsky é advogado e membro do Conselho Jurídico do Secovi-SP (Sindicato da Habitação).
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